O politicamente (in)correto na Literatura Infantil

Antes de situar o politicamente correto ou (in)correto, que vem a ter a mesma conotação, porque se está falando da mesma coisa, quero desenvolver o conceito de correção em algum segmento do conhecimento.

Excetuando as ciências exatas, correção nos segmentos das ciências sociais, da moral, da ética, dos valores, da filosofia, sociologia, ciências econômicas e outras tantas o correto é um conceito relativo.

Daí que estabelecer o que é correto ou não para uma sociedade, ou grupo de indivíduos, e principalmente para o segmento das artes em geral é de uma imprecisão desalentadora. É nas artes em geral que se estabelece o uso da plena liberdade , e até o abuso (está aí a polêmica quanto à arte contemporânea, ameaçada muitas vezes de não se constituir arte, porque mal entendida ou suscetível de preconceito. As obras de Gil Vicente na Bienal).

Se é impossível identificar o que é correto ou incorreto nas artes visuais – a pintura, a escultura, a ilustração de obra literária – ou na arte literária, no que diz respeito ao texto – a abordagem do tema, o enfoque, o discurso – como determinar uma política de correção? Como estabelecer os limites para a produção textual, do que se pode abordar, o que não se deve abordar. E para a ilustração, o que pode informar e o que se deve ocultar.E como estamos falando em texto ilustrado já estamos trazendo o livro de literatura infantil e juvenil que costuma oferecer as duas leituras na mesma obra; e simultâneas: da imagem ou ilustração e do texto ou palavra.

Os termos legais – a política dos bens culturais

O Anteprojeto da Lei que altera dispositivos da Lei Autoral – Lei 9.610 de 19/02/1998. A Associação de Escritores e Ilustradores de LIJ, em julho deste ano, enviou carta ao Ministro da Cultura trazendo um pronunciamento da categoria dos profissionais do livro, escritores e ilustradores.

O tratamento dado à produção de arte visual e arte literária no Anteprojeto constitui ato de desprestígio e falta de conhecimento do que seja produção de bens culturais. Autoriza a reprodução e distribuição indiscriminadas sem justa contrapartida para o autor, o que fere o direito autoral.

Tal tratamento é politicamente incorreto, embora a política estatal não o considere.

A Literatura infanto-juvenil vê-se ainda menos entendida por esta política, porque a crítica ainda, em alguns setores, entende o livro infantil uma obra menor. Mas isto está melhorando e muito se deve à escola que entra como mediadora de leitura, cada vez mais legitimando a literatura infantil.

Mas o aspecto que mais nos diz respeito, como escritores de obras infantis, é a obra em si, que deve conter um texto que interesse à criança, que a cative, onde ela experimente emoções de alegria, medo, ansiedade, prazer e até tristeza e raiva. Emoções estas que a criança vive em sua realidade e aprecia retomá-las na ficção como uma brincadeira, um faz de conta, um imaginário, a coisa lúdica e prazerosa.

Mas é um adulto o autor da obra infantil. E o quê escrever e como escrever para crianças, permanecendo adulto? A meu ver, é preciso buscar na memória a sua criança. Não propriamente cenas passadas, mas principalmente estabelecer contato com sua criança, deixá-la brincar, soltar a imaginação, rir, aventurar-se, transgredir, encarar limites, vivenciar a curiosidade. São traços inerentes a todas as crianças, mesmo as de hoje, as que lidam com computadores, celulares e videogames.


Também estabelecer contato e dialogar com a criança de hoje, que difere da criança de ontem justo pela mídia. É uma criança que assiste e interage em programas televisivos e virtuais, que cumpre agenda, que ataca muitas frentes simultaneamente (judô, natação, inglês, shopping, transportes escolares, a propaganda e a informação indiscriminada).

E, por fim, e o que acho mais instigante e difícil para este adulto que escreve, que entra num terreno de fantasia e de descobertas para criar uma história infantil: manter-se longe do texto.

O politicamente correto, neste caso, e isto é garantia de um texto de qualidade, é que este autor adulto pense a criança. Que seu pensar adulto não interfira, nem a voz que costuma aconselhar, educar, assistir, punir, ensinar, estabelecer limites, proteger, moralizar ou socializar, todas estas ações que cabem ao adulto na realidade, que se as evite na ficção pois que o livro infantil é terreno infantil.

Claro que a ideia que o escritor tem da criança para a qual direciona sua obra, será sempre compatível com os próprios valores e sua concepção de mundo, que se deseja naturalmente sadio em todos os aspectos e sustentável.

Incorreto seria estabelecer a priori o que pertence ou não pertence ao universo infantil e negar a existência de matéria, que igualmente ocupa a mente infantil mas que é considerada tabu ou assunto polêmico por alguns, como morte, violência, desejo e sexo, por exemplo, que as julgam inadequadas e não pertencentes ao universo da criança.

Isto ocorre, por vezes, com o autor da obra infantil e não raras vezes, com o próprio Ministério de Educação quando da seleção e indicação de livros para uso das escolas.

Literatura é arte, e como toda arte não prescinde da liberdade, muito pelo contrário, a arte é libertária. A maior ação da arte, para ficarmos no politicamente correto, é questionar o mundo.

A obra infantil ou literatura infantil não se afasta do mesmo conceito.

Sua função é aventar com possibilidades de invenção do mundo, e para tal precisa criar espaço para pensar, discordar, duvidar, sugerir, reorganizar e até transgredir. Espaço para o contraditório e a ambiguidade, para o diálogo com a obra e a experiência pessoal, para a identificação e a estranheza, para o conhecido e o diferente.

Quanto mais leituras o texto literário infantil suscitar, maior será a sua contribuição para a informação e formação da infância na sociedade.

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