Rio de Janeiro

 




 

                               


                                                       Rio de Janeiro


“O vento beijando teu rosto, o mar se arrojando a teus pés, o verde descendo das Serras...

                                   Meu Rio que  lindo tu és!”

                                                                                   Martinho da Vila

 

            E aqui estou eu em Copacabana, que acordou mais linda que nunca nesta primeira manhã de um dia de férias. Paro um instante para ver o sol se infiltrar por entre nuvens debruadas de sombras e sinto o vento de asas soltas voando alto, e pequenas aves sobrevoando em algazarra sob um céu de azul profundo, embriagadas de luz e liberdade.

            Me embriago também por essa mesma luz e essa mesma liberdade e saio a caminhar pela Avenida Atlântica. Chego ao Posto 4. Me deparo com o Copacabana Palace, e sua fachada branca iluminada pelo sol.

            Próximo deste lugar, avisto o banco de pedra no qual Drummond continua a poetizar. 

            Nesta primeira manhã de minhas férias, quero ainda caminhar pelo calçadão, sentar para escutar o ruído do mar, olhar ao longe as montanhas, as florestas e a imagem do Cristo Redentor. Ali pelas três da tarde, me espreguiçar nas areias da praia do Leme e, à tardinha, assistir o pôr do sol na praia do Arpoador.

            À noite, ver a magia da lua se refletir em um copo translúcido de um bar. E poder dizer: Rio de Janeiro, nada é mais carioca, nada é mais poético  que teu ar, teu sol, teu céu entre tuas montanhas e teu mar!

            E voltar para casa só depois de assistir nascer o vento soprar mar a dentro  as imagens desses encantos meus.


                                                                                      Terezinha Lanzini

                                                                                          Texto e Imagem                      


                                                            

A Grande Viagem

Por se tratar de uma crônica com uma pontaria certeira na alma de cada um de nós, deixo de lado a imagem que corresponderia ao tema. Desta forma, não me comprometo com sustos predestinados. Abraços aos que lerem, porque ainda estarão por aqui. Boa leitura!


 

 

A grande viagem

 

 

 

 Li em outro dia um texto de autoria desconhecida, intitulado “A certa”. Trata de tema bruxuleante, funesto, um lance certeiro na mosca, aliás, a mosca é cada um de nós. Porque o autor  evoca nada mais nada menos do que aquela, a da face cruel, a que não está pra brincadeiras, a que sempre acerta a pontaria, a que nos leva para a grande viagem, para o descanso eterno, e a gente nem pediu. Ela mesma, a própria.

O sujeito  escreveu o texto  fazendo-se de sonso, parece não estar nem aí. Mas eu poderia afirmar que está, porque ela, afinal, é a única certeza nesta vida cheia de incertezas. Vai ver, estamos tão acostumados com o incerto da vida  que a coisa certa nos perturba. A cada final de ano, brindamos, enviamos votos de paz, amor, saúde e felicidade. Desejamos um novo ano  radioso e próspero para todos, indiscriminadamente. Ingenuidade. Quem não sabe que isto não vai acontecer assim cem por cento? Ficaremos felizes se a dita cuja não fizer ameaças logo ali na entrada do ano e, pelo menos, deixar-nos garantir  o gozo das férias planejadas na dureza. Ou se nós mesmos, e ainda pais, irmãos, filhos, netos (já é o bastante), nos fingindo de mortos, conseguirmos manter distância da mira dela.

Eu, por exemplo, procuro ser modesta quanto aos pedidos de virada de ano. Você sabe, aqueles velhos conhecidos – paz, amor, saúde, dinheiro. Se forem  muitos, vá que na substituição de uns pedidos por outros, a morte não hesite e faça das suas e se apresente poderosa, sedutora, íntima, insistente? Sabe lá. Antes a satisfação de pouco do que de nenhum.

Tem gente aí fazendo os maiores sacrifícios para não encarar a partida. E ficam driblando aqui e ali, passando a bola para outros que talvez nem estivessem na fila. Suponho.

Incertezas. É com isto que estamos  habituados. E com torcidas. Torcemos para que nosso time vença o campeonato, que nosso filho passe no vestibular, que seja nossa a única vaga no concurso, que o companheiro nos seja fiel, que este relacionamento, afinal, se instale de vez, que tenhamos sucesso na carreira, e por aí vai. Somos bons nisso. Também costumamos ficar na torcida em momentos bem prosaicos. Tomara que o meu post no Instagram tenha uma infinidade de visualizações, e queira Deus que a carga do celular dure até o fim da viagem, e que este vestidinho ainda sirva agora que parei a dieta, e que eu acerte as seis dezenas da mega, e que nesta viagem à Escandinávia  eu encontre, de verdade,  minha alma-gêmea. Ufa!

Banalidades que nos fazem sentir a delícia da vida fluindo. Na incerteza, sim. Onde não vislumbramos paradas, limites, interrupções, interferências. Onde focamos o olhar num futuro sempre belo, luminoso, fugaz, mas grandioso. Na incerteza nada é para sempre. A gente não se importa com  a perenidade, nos sabemos perecíveis. Um dia o amor acaba, a grana encurta, a saúde fica abalada, e no outro dia, um outro amor nos surpreende, um empréstimo nos tira do sufoco, a ciência nos oferece uma mãozinha.

Até o dia em que aquela que nos ronda cansa deste esconde-esconde e nos convoca para o enfrentamento. Soa o apito, o juiz sinaliza que o jogo acabou. Só nos resta sair de campo e empreender a grande viagem.

Sem retorno? Sem uma outra chance? Tomara que não. 


                                                                                                    Jacira Fagundes

                                                                                                          Escritora

 

RABISCOS




                                           RABISCOS     

 

 

No final daquela tarde entro no vilarejo. Caminho por uma ladeira íngreme e sinuosa à procura do antigo casarão de minha infância. Paro por um instante imaginando escutar o burburinho das cirandas rompendo o breu da solidão. Sem a luminosidade de antes, ele está lá , humilde e abandonado. Parece sussurrar cicatrizes adormecidas na escuridão dos destroços espalhados em úmidas varandas que guardam memórias em segredo.

Esgueirando-me por entre o assombro do silêncio e as paredes desgastadas pelo tempo, procuro meus rabiscos de criança: nuvens, sol, pingos de chuva, estrelas e até um coração. Porém, apagaram-se os rastros. Ficaram  apenas as três andorinhas de porcelana azul, presas no mesmo lugar que minha mãe deixou.

Nesse momento, as lembranças me empurram e me embalam em névoas tingidas de saudade. E só o tempo se encarregará de estilhaçar para bem longe esse sentimento teimoso de  regresso ao passado, ao provocar a volta à memória.

 

                                                                                                     

                                                                                               

                                                                                              Maria Terezinha Lanzini

                                                                                                       Escritora e

                                                                                                       Fotógrafa

                                                                                               

 

 

 

 

 

  

Fumaça na Enchente





                                      FUMAÇA NA ENCHENTE

 

            Chovia há quase uma semana e o ranchinho da Fumaça –feito de lata –  balançava com o minuano que quase não dava trégua. Naquele dia, aproveitando uma estiada do tempo ruim, Fumaça foi na venda do Nicolau e comprou um maço de cigarros e uma garrafa de cachaça.

            – Só bebendo, Nicolau, pra aguentar um tempo desses. Será que vamos ter enchente?

            De nome Maria do Rosário, em homenagem a Nossa Senhora, – era conhecida como Fumaça – andava sempre com o pito nos beiços; dizia que era pra se distrair, não pensar em coisa ruim. A fumaça do cigarro escondia seu rosto miúdo, de feições suaves e delicadas e expressão de tristeza conformada. Nascida em Rosário do Sul, viera para Dom Pedrito ainda menina, sem nada de seu, só com a roupa do corpo, que nem tinha outra para usar. Fazia um biscate aqui, outro ali, lavava uma trouxa de roupa de vez em quando, limpava alguma casa na cidade e a vida seguia seu rumo. Teve dois filhos que deu para criar, e agora vivia sozinha no seu ranchinho de lata na beira do rio. No mais, era um dia de cada vez, se alegrando quando ganhava uma cevadura de erva para tomar um mate na porta de casa. Um catre num canto para se deitar, um pelego para se aquecer nos dias frios, um fogão de tijolos, uma panela de ferro e uma cambona para aquecer a água – o que mais poderia querer?

            Desta vez a chuva estava demorando a passar e o rio já começava a subir. De nada adiantariam a reza e a vela para Santa Bárbara ou a queima das folhas que o padre lhe dera na igreja, no Domingo de Ramos. Nem mesmo a cruz de sal no caixote que servia de mesa, como vira a mãe fazer quando ela era ainda criança.

            Quando a enchente chegou, ela subiu no telhado. Pelego nas costas e garrafa de pinga debaixo do braço. Era tanta água que a casinha saiu do chão. Virou canoa no meio do rio. E Fumaça lá encima.

            – Desce daí, Fumaça. Vou mandar um bote te pegar!

            – Não carece, Nicolau. Vou-me embora pra Rosário, pra o que eu trouxe, muito levo. Cheguei sem nada e agora levo uma casa.

            Um raio clareou o céu, a casa-canoa sumiu nas águas.

            Até hoje, na época das cheias, tem gente que jura que vê o rancho boiando no rio Santa Maria e a risada da Fumaça – pra o que eu trouxe, muito levo.


                                                                                              Dora Almeida

                                                                                                   Escritora


                                                                                              Terezinha Lanzini

                                                                                                Fotógrafa 

                                                                                            

 

 

 

 

 

           

Vem aí a Páscoa!

Coelhinho da Páscoa! Que trazes pra mim?


 

Coelhinho da Páscoa, que trazes pra mim...

                                                                      

                                                                                               

 

                                      Aproxima-se outro domingo de Páscoa. E as pegadas do                                                    coelhinho em direção ao esconderijo, são cada vez menos                                                  visíveis.

 

           

            Às crianças, já não interessa a quantidade de coelhos e ovinhos de chocolate que encontram nos ninhos no domingo de Páscoa – um ovo, dois ovos, três ovos, assim...

            Sequer a cor viva, brilhante, os coloridos intensos – azuis, amarelos e vermelhos também...

            Menos ainda a canção que embalou dias e noites de espera, só aliviada no momento do encontro com o ninho que  coelhinhos diligentes se incumbiram de encher na véspera, durante a calada da noite – Coelhinho da Páscoa, que trazes pra mim...

            Somente depois de intensa busca, acompanhando ou não as tênues pegadas do coelho, é que curiosidade, surpresa e fantasia se misturavam à realidade. E então o ninho era ostentado com alegria, e tudo dava lugar ao encantamento.

            Porém, as crianças de hoje, perderam este encantamento, o que, sem dúvida, é de se lastimar.

            Entre as preferências dos pequenos estão, em primeiro lugar, as marcas do chocolate, as que são charmosas e disputadas através da mídia.  Interessa , mais do que a diversidade e tamanhos dos ovos, os brinquedinhos escondidos em seu interior – pecinhas de montagem de algo desajeitado e ordinário, geralmente abandonadas devido à dificuldade de encaixe. Ou ainda por desinteresse momentâneo.

            Para garantir que vocês – pais, padrinhos, tios e avós – façam a coisa certa, quer dizer, acertem nas marcas e nos pesos e ainda atentem com absoluta garantia, na observância do brinquedo surpresa que deverá constar no interior dos ovos, elas se fazem presentes em hora e local, substituindo os já não tão confiáveis coelhinhos da canção. Como investidores exigentes, conferem procedência, prazo de validade, vulnerabilidade de embalagens e decidem sobre a compra.

            A vocês – representantes financeiros dos coelhos – cabe o pagamento no caixa. Papai e Mamãe, por receio de desacertos  frente a seus pequenos, costumam concordar e sentirem-se mais seguros com a aquiescência dos filhotes.

            A surpresa, a busca, a curiosidade infantil e a fantasia que até aqui permearam as manhãs do domingo de Páscoa, que rumo tomaram? Provavelmente o rumo da indiferença. Porque a busca foi antecipada: aconteceu ali no supermercado, entre as muitas opções de peixes para a sexta-feira santa e de carnes para o churrasco de domingo; e o pouco de encantamento adquirido durante a transação ficou esquecido no carrinho, depois do caixa.

            Ouso acreditar que talvez o afastamento destes e de tantos outros singelos rituais esteja concorrendo para que muitos dos jovens e adolescentes de hoje, por solidão ou desencanto, tenham desistido, tão precocemente, da caça aos legítimos “Ninhos de Páscoa” recheados de sabores verdadeiros. E se joguem – vítimas inocentes – na busca de ninhos nefastos e infelizes, repletos de “ovinhos” cujo recheio não passam de  brinquedinhos mortíferos e mal encaixados.

                                            

                                                                                                    Jacira Fagundes

                                                                                                                   Escritora

DESVIO


 

Desvio



Sim, essa é a vontade, pegar um desvio. O ano correu, essa é a verdade. E eu segui naquele mesmo passo do ano passado. Agora não, Serei outra. Não repetirei os mesmos erros e acertos. Quero inovar. Quero mesmo fazer tudo diferente. Sorrio, me interrogando se serei capaz. Não tentando, não saberei. Me banho em ervas de alecrim, manjericão e guiné para fortalecer meu propósito.  Respiro fundo, acendo a vela aromática que abrirá meus caminhos e dará o perfume inicial dessa jornada.

Um desvio para a vida na Europa.  Continente que faz parte de meus sonhos de infância. Irei sem olhar para trás. Os vínculos, as redes não mais me prenderão. Voarei como uma andorinha no verão, sob o oceano, pegando os ventos leves e perfumados da primavera. Agora é verão, sei, você está pensando. “Ela endoidou de vez.”  Endoidei sim, e assim viverei os próximos anos, desgarrada dessas crenças que tanto me aprisionaram. Ousarei sair da minha zona de conforto e viver.  Eu mesma sorri. Viver!! Como se até agora não o tivesse feito. Que jeito temos nós de afirmarmos as mudanças. Atravessarei  um portal, como tantos outros já  fiz, e tomarei novo rumo.  Serei mais do que nunca eu mesma.

Vislumbro árvores frondosas, onde  pouso e  observo, contemplo  esse país que amo mas que deixarei.  Depois me aproveitarei de algum navio no caminho para descansar as asas até o meu destino.

O sonho é livre e o desvio está bem ali.

Que nos venha 2024. 


                                                         Magaly Andriotti Fernandes

                                                                        Escritora

                                                                    Texto e Foto

                                                                    

O MAR


“O mar é das gaivotas que nele sabem voar”

                                                                          Milton Nascimento

Hoje me senti assim, voando sobre esta transparência azulada, onde se escuta só o mar. Um santuário em que é possível perceber em silêncio, todos os sons.

E, voando, vejo recifes de coral, sargaços, um universo de espumas, ondas batendo nos rochedos e, ao longe, no chão, conchas nacaradas perdidas na areia.

Flutuando  distante das correntezas, espero a noite para enxergar constelações a iluminar o céu e sentir o vento morno desta escuridão que será enluarada.

                                                       

                                                             M Terezinha Lanzini 

                                                             Fotógrafa e Escritora

 

Rio de Janeiro

                                                                                           Rio de Janeiro “O vento beijando teu rosto, o m...