Noticiado na imprensa que está em fase de ser implantada uma lei obrigando donos de carroças a fazerem uso de fraldas em seus cavalos para circular em zona urbana.
E se extendessem a referida lei aos cachorros e cadelas? Animais desta espécie circulam por toda parte em número cada vez mais elevado e fariam a alegria dos donos ao parecerem-se ainda mais com bebês.
Há histórias, provavelmente de meias verdades, ou fatos não comprovados, como se queira, que assolam a imprensa com certa insistência. Em geral, envolvem crianças. É o caso que reaparece, desta vez na Rússia, de menino alimentado e criado por um cachorro. Consideremos a vida canina de um bebê em tais condições, independente da veracidade do fato. Se a criança não tem como exemplo um ser da própria espécie, e sim o cachorro é que lhe serve de modelo, ela só poderá aprender com o animal, por imitação. Assim, menino e animal se comunicam por toques, afagos, lambidas, e naturalmente, latidos. Alimentam-se do que encontram no chão, pelo caminho: ambos carnívoros, realizam a devida seleção farejando. E locomovem-se, usando os membros inferiores e superiores alternadamente, porém de quatro. A despeito de algumas diferenças, não se pode afirmar que o comportamento destas crianças sejam impróprios ou inaceitáveis. Até porque, os bebês criados por humanos, engatinham – estamos habituados ao gato por referência, poderia ser o cachorro, então diríamos, cachorrinham – , mordem, e fazem uso de linguagem incompreensível ao se comunicarem.
Certamente, há que se levantar a questão da hereditariedade. A criança em geral, ao atingir uma fase, digamos, mais racional – isto pode se dar por volta dos cinco, seis anos de vida – rejeitará naturalmente a conduta irracional. Então virá à tona o ser humano que lhe é intrínseco, próprio e permanente. Aquele que todos conhecemos.
Poderíamos nos indagar a respeito dos novos hábitos que tal criança assimilasse. Se ela usaria as mãos com desenvoltura para apreensão do alimento antes de levá-lo à boca, se faria do corpo laboratório e tentaria apoiar-se sobre as pernas sem a ajuda das mãos adotando finalmente postura de bípede, e , dando-se conta da ausência de pelos, se ela colocaria trapos sobre si, consciente da necessidade de abrigar-se. Tudo isso provindo de um preceito absoluto, de um discernimento restrito aos humanos por herança genética.
É fato relatado no decorrer da história na Rússia, que o menino foi resgatado em dado momento e levado a um orfanato, onde adquiriu conduta própria aos racionais: come, dorme, fala, brinca como as outras crianças. Anda, e ainda de quebra, joga futebol. Quiçá virá a ser um craque. Desta feita, seria mais sensato apoiarmo-nos no processo educacional, onde o indivíduo realiza a aprendizagem com base em modelo, ao invés de considerarmos conclusiva a pronta adaptação ao que é hereditário. O cão oportunizou a primeira aprendizagem, e a outra veio a seguir, no orfanato, entre os da mesma espécie. Mas é incontestável o papel da hereditariedade: a segunda chance só foi um sucesso por tratar-se de um menino. Isto não se obteria caso o cão fosse o aprendiz.
É importante salientar o quanto hoje em dia, há humanos que se frustram por não conseguirem fazer de seus cãezinhos, bebês de verdade, malgrado toda sorte de artifícios: fitinhas multicoloridas, tiaras, esmalte de unhas, vestidinhos e polainas, brinquedinhos, berços com dossel. Tais animais de estimação, apesar do investimento em sociabilidade, continuam latindo, e mesmo que lhes seja apresentado o alimento em pratos de design arrojado, ainda assim o consomem à moda canina.
Se aos cachorros – ou gatos, papagaios, ratinhos brancos, enfim –, negam-se os atos ditados pela razão, podemos usar tal assertiva a nosso favor. Como? Domesticando-os, fazendo-os nossos amigos incondicionais, até que a morte nos separe. Ao contrário das crianças (ou pessoas em geral) que sempre nos cobram os deslizes, e mais: são avessas a qualquer conformismo.
Bastaria então considerar a hereditariedade como determinante do comportamento, tanto para irracionais como racionais? Ou certo seria assegurar o domínio da educação e socialização? O que pesa mais? Não há, em minha opinião, uma balança eficaz para definir tal medida. Há, sim, uma combinação dentro da dualidade. Por vezes os aspectos hereditários estão mais evidentes, falam mais alto, à revelia. Em outras ocasiões a educação dá o tom, abranda, recua, compartilha, encoraja. São o racional e o irracional em mútuo entendimento –meninos e cachorros –, tais como os conhecemos.
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